VERÃO - VEJA 18 DE JANEIRO DE 2006

O point hippie-chique dos paulistanos
Sol escaldante, praias vazias, segurança
e belas casas fazem de Trancoso, no
sul da Bahia, o destino preferido dos
endinheirados nesta temporada

Marcella Centofanti
de Trancoso


Não é de hoje que Trancoso, no litoral sul da Bahia, atrai os paulistanos. Os primeiros ripongas de São Paulo chegaram nos anos 70, quando a vila não tinha luz, telefone nem água encanada. Pousadas e restaurantes, então, nem pensar. De lá para cá, muita coisa mudou. Em 2002, a rede hoteleira francesa Club Med abriu ali seu terceiro e mais chique empreendimento no Brasil. Os terrenos à beira-mar foram ocupados por mansões avaliadas em 2 milhões de dólares, como a recémconstruída pela socialite Georgina Brandolini. Há duas semanas, o complexo turístico-imobiliário Terravista, onde estão a casa do arquiteto Sig Bergamin e a da presidente do Mozarteum Brasileiro, Sabine Lovatelli, inaugurou uma pista de pouso particular com apacidade para receber aviões de até cinqüenta passageiros. A Pousada Estrela d'Água, a preferida dos endinheirados, lotou no réveillon, mesmo cobrando os olhos da cara pelo pacote de dez noites: 33.500 reais por apartamento, valor suficiente para um casal passar a virada do ano num hotel luxuoso no Taiti ou nas Ilhas Maurício. Foi nela, por exemplo, que o decorador Jorge Elias se hospedou com a mulher, Lucila. Os atores Bruna Lombardi e Carlos Alberto Riccelli, que estão construindo num terreno ao lado, deixaram a pousada uma semana antes do fim do ano. Preços exorbitantes – como um peixe assado por 70 reais – não espantam os turistas. Ao contrário, eles não param de chegar. Nesta temporada, cerca de 20.000 pessoas devem se hospedar nas 39 pousadas locais. Não há estatísticas oficiais, mas, segundo cálculos de empresários e corretores, cerca de 80% da clientela é da capital paulista, que fica a 1 535 quilômetros de distância.

Com 15 000 habitantes, o distrito de Trancoso localiza-se ao sul de Porto Seguro, a 760 quilômetros de Salvador, e tem uma costa de 24 quilômetros entrecortada por rochões. Além da exclusividade, o clima agradável durante todo o ano e o acesso fácil – é considerado um "Nordeste perto" – são o seu charme. Há também bons restaurantes, pousadas bacanas e, para quem pode, terrenos bem localizados à venda. O principal símbolo da vila fica no alto de uma falésia. É a Praça São João, mais conhecida como Quadrado, na verdade um retângulo com 320 metros de comprimento por 60 de largura. Numa das extremidades resiste uma bonita igrejinha do século XVIII, pintada de branco.
No miolo, um gramado irregular por onde não circulam carros, restaurantes esparramam mesas de madeira. Cerca de cinqüenta casebres coloridos, um grudado no outro, enfeitam as laterais. Está ali o metro quadrado mais caro da região. Uma construção caindo aos pedaços, com 6 metros de frente, não sai por menos de 300.000 reais. As maiores, com vista para o mar, custam 1 milhão.
Ficam na praça o bar Tostex, a loja de decoração Jacaré do Brasil e o restaurante Capim Santo. "Trancoso é um lugar hippie-chique. Quem não entende esse espírito não se adapta e vai embora", comenta a promotora de eventos Ana Maria Carvalho Pinto, freqüentadora da vila desde 1981. "Em Angra dos Reis, se você não servir champanhe aos convidados, é considerado pobre", afirma o arquiteto Sig Bergamin, outro habitué. "Aqui, champanhe é cafona. O bacana é servir caipirinha. E de pinga", diz ele, que, contrariando o discurso, não deixou de levar duas caixas de champanhe francês para brindar a chegada de 2006.

À exceção de Espelho e Curuípe, que viraram moda há poucos anos, as praias não chegam a impressionar pela beleza. Mas têm características peculiares. Vendedores ambulantes nunca foram vistos. No mar, nada de jet-ski nem banana boat. Quiosques são raros. Futevôlei e peladas na areia, nem pensar. Trancoso não é recomendado para crianças (elas são recusadas em muitas pousadas) nem para jovens baladeiros. O programa preferido dos freqüentadores é acordar tarde, tomar sol e sair para jantar. A ostentação não é tão escancarada quanto em Laranjeiras, condomínio de luxo em Parati (RJ) que se transformou num dos paraísos dos ricões paulistanos. Não há congestionamento de veleiros e lanchas. As mansões, em geral, ficam longe dos olhos de quem passa pela praia. Quando passeiam pelo Quadrado, milionárias costumam circular irreconhecíveis de chinelos de dedo, cara lavada e cabelo ao vento – algumas desavisadas, é fato, insistem em afundar o salto alto no gramado. "Quando volto para São Paulo, custo a me readaptar aos escarpins", diz a designer de jóias Syomara Crespi, que mora no Jardim Europa e não sai de casa sem salto no pé. Há oito anos, ela comprou e reformou uma casa no Quadrado, onde passa temporadas de verão e feriados prolongados. Não tem carro e faz tudo a pé ou de bicicleta. Aos 61 anos, vai semanalmente ao forró e dança com quem a convidar. "Em São Paulo, não ficaria bem levar uma vida assim."

É quase impossível atravessar o Quadrado sem escutar o sotaque paulistano. Também é raro, sobretudo na época do réveillon, não cruzar com figurinhas carimbadas das colunas sociais. "Já conhecia de São Paulo pelo menos metade da clientela", diz o chef Cassio Machado, dono das casas Di Bistrot, B&B Burguer & Bistrot e da lanchonete Pop's Bagels & Coffee, contratado para cuidar da cozinha da Pousada do Quadrado durante o verão. A pizzaria Maritaca, aberta há quatro anos por um casal de paulistanos, conta com a maior concentração de ricos e famosos por metro quadrado. Freqüentador do Espelho, o padeiro Olivier Anquier jantou ali na semana passada, assim como o casal Donata Meirelles e Nizan Guanaes, proprietários de uma mansão pé na areia com 500 metros de frente na Praia de Itapororoca. A empresária Bia Aydar vai lá, mas jura evitar badalações. "Faço tanto social em São Paulo que aqui prefiro descansar", afirma. Não é bem assim. No réveillon, ela abriu uma exceção e participou com outras 250 pessoas da festa na Estrela d'Água. À mesma mesa sentaram-se sua irmã Fernanda Nigro, Donata e Nizan. A performance de Jorge Elias, que se esbaldou na pista de dança, rendeu comentários dos presentes.

Donos da mansão mais impressionante de Trancoso, os empresários Sandra e Sérgio Habib preferiram passar a virada em casa.– há quem diga que foi por pura falta de convites, já que o casal não faz parte da panelinha de paulistanos trancosenses. Erguida um ano atrás, a residência dos Habib é dividida em oito construções: uma para o casal e outras sete para cada um dos dois filhos dela e cinco dele. "Fico muito bem com meu marido e minha família. Praticamente não recebo hóspedes nem chamo as pessoas para almoçar na minha casa." No réveillon, ela abriu uma exceção. Convidou a amiga Bethy Lagardère, milionária mineira radicada há mais de trinta anos na França, para brindar o Ano-Novo. Bethy sentiu-se tão à vontade nas areias baianas que não hesitou em fazer longas caminhadas de topless. Num dos passeios das duas pelo Quadrado, ela comprou uma luminária de lata em forma de avião com 3 metros de comprimento por 2,5
de largura. Pagou 3.800 reais pela peça. Levou ainda quatro bonecas de madeira de 2 metros, ao preço de 1.575 reais cada uma.

Quem não sai de Trancoso no verão é Sig Bergamin. Ele acaba de trocar seu antigo bangalô à beira-mar por uma casa de cinco quartos, dois pisos e 560 metros quadrados. Estar ali sempre lhe rende bons negócios. Sig já faturou decorando três casas e uma pousada local. "Temos de trazer quase tudo de São Paulo", diz ele, que no ano passado encheu três caminhões com peças das lojas Daslu Casa, Tania Bulhões e L'Oeil para enfeitar a mansão de oito quartos da socialite Georgina Brandolini, brasileira que mora na Itália. Em duas semanas, Sig promoveu três almoços de open house. Um deles celebrou o aniversário da amiga-cliente Georgina. Quatro helicópteros voaram para transportar alguns dos 22 convidados.

Entre os empreendimentos de Trancoso, o mais badalado é o complexo turístico imobiliário Terravista, misto de condomínios residenciais, hotéis, aeroporto e um campo de golfe de visual magnífico. Os 89 lotes à venda no Villavista Golf custam de 430.000 reais (1 400 metros quadrados) a 2,1 milhões (3.630 metros quadrados). Por enquanto, poucas casas foram construídas. Como não é permitido circular de automóvel, o transporte oficial são carrinhos de golfe. "É o condomínio mais exclusivo do Brasil", acredita o empresário alemão Michael Rumpf-Gail, que mora em São Paulo e idealizou o projeto. Exclusividade, sol, segurança e belas casas. Os paulistanos abonados, que estão bem mais para chiques do que para hippies, não querem saber de mais nada no verão.

Praia de descolados
• Trancoso é um distrito de Porto Seguro, com 15 000 habitantes. Só na alta temporada, de dezembro a fevereiro, cerca de 20 000 turistas vão para lá.
• No Natal e Ano-Novo, o vaivém de helicópteros impressiona. Nesse período, estima-se que vinte aeronaves circulem por ali. O percurso de Porto Seguro até Trancoso dura nove minutos e custa 600 reais para três pessoas.
• A Praça São João, mais conhecida como Quadrado, é na realidade um retângulo de 320 metros de comprimento por 60 de largura. Ali, uma casinha velha com 6 metros de frente custa 300 000 reais. As maiores e com vista para o mar não saem por menos de 1 milhão.
• Há cinco anos, um terreno de 4 500 metros quadrados perto da praia custava em torno de 60 000 reais. Hoje, vale cerca de 400 000, quase sete vezes mais.
• As 39 pousadas cadastradas oferecem 1 576 leitos. O único hotel é o Club Med, com 250 quartos.
• No réveillon, a Pousada Estrela d'Água cobrou até 33 500 reais por um pacote de dez dias para um casal.